Existem alguns pontos do mundo que parecem reunir todos os contos, mitos e lendas. Estes lugares são pretensos genitores de personagens espetaculares. Não é por menos, então, que Abraham Stoker escolheu a Transilvânia para ser o berço do protagonista de sua obra mais famosa.
O romance de horror – como foi classificado por muitos literatos – foi construído em sete anos. É em 1897 – ano que tira do mundo Johannes Brahms, compositor de baladas sombrias e retratos musicais de um mundo que pressente crises consideravelmente maiores que a do século anterior – que sua primeira edição é lançada em Londres pela Archibald Constable and Company, em 26 de maio. Ainda no mesmo ano, o romance ficcional de Stoker ganharia uma versão estadounidense para mais tarde ser traduzido para o alemão, francês, espanhol e outras línguas latinas.
A edição que se menciona aqui, contudo – tradução do original de Stoker por Sandra Guerreiro para a segunda edição lançada pela editora Madras, em 2009 – surgiu após um tempo significativo e esperou que o mundo presenciasse diversas adaptações para teatro e cinema, releituras e modificações na própria estrutura da obra para apresentar-se. Esta é uma edição que segue fielmente o modelo escolhido pelo autor, com seus vinte e sete capítulos originalmente distribuídos e abrigando diários das personagens principais – excetuando-se o diário do próprio ser imortal cujo nome dá título à obra, exatamente como no original – com citações das gravações em fonógrafo e devidas observações de cada uma de suas criações.
Sandra Guerreiro nos brinda com uma tradução bem mais próxima das primeiras edições inglesas. Ainda que neste sentido a linguagem possa, por vezes, parecer rebuscada, o texto segue um ritmo que não deixa a aura de suspense ser quebrada. As emoções das personagens são transmitidas pela duração dos períodos e extensão dos diários de uma forma magistral, tal qual intencionada por Stoker. A leitura é fisicamente confortável e o texto foi composto em fonte Times New Roman, corpo 11/12, sobre papel Offset 75g que confere alguma resistência e qualidade ao livro. Além disso, a edição contém uma introdução escrita por Wagner Veneziani Costa que permite entender um pouco dos mitos e lendas do Leste Europeu e porque o autor irlandês teria escolhido uma personagem que de fato existiu – o príncipe Vlad Dracul III ou príncipe Drácula da Valáquia – para incorporar toda sorte de superstições ouvidas daquela região.
Seria mais sensato classificar Drácula como um romance dramático a colocá-lo no hall dos romances de ficção gótica ou de terror, uma vez que toda a história se baseia na tentativa do protagonista de reencontrar e reconquistar o amor perdido ainda na idade média. Drácula é um ser imortal que reside na Transilvânia, mas que, após ter vivido centenas de anos, decide mudar-se para Londres e é neste momento que tem contato com Jonathan Harker, um jovem estudante de direito que vê nas negociações com um excêntrico conde, suas chances de realização profissional como corretor de imóveis. Harker está noivo e em breve se casaria com Wihelmina Murray (Mina) se ela não fosse fisicamente idêntica ao único e verdadeiro amor do Conde, há muito perdido. Harker fica preso no castelo na Transilvânia enquanto Drácula apressa-se em chegar às Ilhas Britânicas e rever quem acredita ser sua finada esposa.
Obviamente, a presença de um ser imortal que se alimenta de sangue causa algum desconforto no círculo social de Mina que, após descobrir a natureza do nobre galanteador vindo da Hungria, inicia uma caçada que culmina na morte e redenção do vampiro.
Drácula é um retrato de um tempo diferente daquele a que as obras de ficção antes dele retratavam. É possível perceber uma nova visão sobre a sociedade e a ainda persistente e delicada relação entre nobreza e burguesia, com a diferença que, nesta obra, o sangue azul representa o mal, a despeito de toda a impureza e evanescência dos princípios morais presentes em alguns indivíduos do povo. A vida das pessoas passara a ter novos atrativos e novas atividades, assim como novas maneiras de interpretar costumes antes indubitáveis, são demonstrados por meio das ações das personagens. Existe ainda uma descrição do Leste Europeu em aspectos sociais e geográficos que é invejável. Não por sua precisão, mas pelo filtro do Reino Unido colocado sob os olhos do autor e pelo que permanece na mente de quem nunca esteve em campo.
É, então, na sensível diferença da presença do pesquisador ou escritor in loco que Drácula encontra sua essencialidade para os estudos de Geografia e História do final do século XIX. Um leitor mais atento poderá ainda perceber detalhes mais sutis, como, por exemplo, como o Vampiro é um retrato do homem moderno preso às tradições antigas e como as outras personagens são a imagem de uma pressão que a tecnologia e que os tempos modernos impõem aos que ousam não querer acompanhar o “progresso”. Ainda é possível notar que Abraham Stoker mergulha mais fundo no enredo, colocando-se como seu alter-ego: Abraham Van Helsing, um homem “iluminado”, constante estudante e professor, conhecedor das muitas ciências e que esteve em campo.
Drácula é uma obra essencial para que se possa justificar a necessidade de estar no local a ser estudado, em contato com o objeto de estudo e permite uma análise crítica do período em que foi escrito pela visão do autor, traduzida nas opiniões e gestos de suas personagens. Um deleite para quem busca a fundo as características de um tempo ou para quem quer passar um bom momento de leitura.
Abraham Stoker nasceu em Dublin, na Irlanda, em oito de novembro de 1847, era matemático e escreveu diversas outras obras envoltas em horror e ainda sobre outros temas como O Castelo da Serpente, Os Sete Dedos da Morte e O Caixão da Mulher-Vampiro. Em 1922 ocorre o lançamento da primeira adaptação de sua obra para o cinema Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens – produção franco-alemã dirigida por F.W. Murnau e que teve que adaptar os nomes das personagens, lugares e datas por não ter conseguido autorização dos herdeiros do autor para produzir o filme. Abraham Stoker faleceu em 20 de abril de 1912 sem jamais ter ido à Transilvânia.
Referências Bibliográficas:
Bram Stoker’s Dracula, extraído da primeira edição e disponível em http://www.literature.org;
Drácula, STOKER, Bram, Tradução Sandra Guerreiro, 2ª edição, Ed. Madras, São Paulo – SP, 2009;
Drácula: O Vampiro da Noite, STOKER, Bram, Tradução Maria Luísa Lago Bittencourt, Texto Integral, 3ª edição, Ed. Martin Claret, São Paulo – SP, 2002.
História dos Vampiros: autópsia de um mito, LECOUTEUX, Claude, Edição Brasileira, Ed. UNESP, São Paulo – SP, 2003;
Vampiro: a Máscara, HAGEN, Mark Rein, 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1991;
Romance de clã: Ventrue, FLEMING, Gherbod, 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1999;
Romance de clã: Lasombra, DANSKY, Richard E., 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1999.