segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Homens, Mitos e um Retrato do Final do Século XIX: Uma Leitura Geográfica de Drácula, de Bram Stoker

Existem alguns pontos do mundo que parecem reunir todos os contos, mitos e lendas. Estes lugares são pretensos genitores de personagens espetaculares. Não é por menos, então, que Abraham Stoker escolheu a Transilvânia para ser o berço do protagonista de sua obra mais famosa.

O romance de horror – como foi classificado por muitos literatos – foi construído em sete anos. É em 1897 – ano que tira do mundo Johannes Brahms, compositor de baladas sombrias e retratos musicais de um mundo que pressente crises consideravelmente maiores que a do século anterior – que sua primeira edição é lançada em Londres pela Archibald Constable and Company, em 26 de maio. Ainda no mesmo ano, o romance ficcional de Stoker ganharia uma versão estadounidense para mais tarde ser traduzido para o alemão, francês, espanhol e outras línguas latinas.

A edição que se menciona aqui, contudo – tradução do original de Stoker por Sandra Guerreiro para a segunda edição lançada pela editora Madras, em 2009 – surgiu após um tempo significativo e esperou que o mundo presenciasse diversas adaptações para teatro e cinema, releituras e modificações na própria estrutura da obra para apresentar-se. Esta é uma edição que segue fielmente o modelo escolhido pelo autor, com seus vinte e sete capítulos originalmente distribuídos e abrigando diários das personagens principais – excetuando-se o diário do próprio ser imortal cujo nome dá título à obra, exatamente como no original – com citações das gravações em fonógrafo e devidas observações de cada uma de suas criações.

Sandra Guerreiro nos brinda com uma tradução bem mais próxima das primeiras edições inglesas. Ainda que neste sentido a linguagem possa, por vezes, parecer rebuscada, o texto segue um ritmo que não deixa a aura de suspense ser quebrada. As emoções das personagens são transmitidas pela duração dos períodos e extensão dos diários de uma forma magistral, tal qual intencionada por Stoker. A leitura é fisicamente confortável e o texto foi composto em fonte Times New Roman, corpo 11/12, sobre papel Offset 75g que confere alguma resistência e qualidade ao livro. Além disso, a edição contém uma introdução escrita por Wagner Veneziani Costa que permite entender um pouco dos mitos e lendas do Leste Europeu e porque o autor irlandês teria escolhido uma personagem que de fato existiu – o príncipe Vlad Dracul III ou príncipe Drácula da Valáquia – para incorporar toda sorte de superstições ouvidas daquela região.

Seria mais sensato classificar Drácula como um romance dramático a colocá-lo no hall dos romances de ficção gótica ou de terror, uma vez que toda a história se baseia na tentativa do protagonista de reencontrar e reconquistar o amor perdido ainda na idade média. Drácula é um ser imortal que reside na Transilvânia, mas que, após ter vivido centenas de anos, decide mudar-se para Londres e é neste momento que tem contato com Jonathan Harker, um jovem estudante de direito que vê nas negociações com um excêntrico conde, suas chances de realização profissional como corretor de imóveis. Harker está noivo e em breve se casaria com Wihelmina Murray (Mina) se ela não fosse fisicamente idêntica ao único e verdadeiro amor do Conde, há muito perdido. Harker fica preso no castelo na Transilvânia enquanto Drácula apressa-se em chegar às Ilhas Britânicas e rever quem acredita ser sua finada esposa.

Obviamente, a presença de um ser imortal que se alimenta de sangue causa algum desconforto no círculo social de Mina que, após descobrir a natureza do nobre galanteador vindo da Hungria, inicia uma caçada que culmina na morte e redenção do vampiro.

Drácula é um retrato de um tempo diferente daquele a que as obras de ficção antes dele retratavam. É possível perceber uma nova visão sobre a sociedade e a ainda persistente e delicada relação entre nobreza e burguesia, com a diferença que, nesta obra, o sangue azul representa o mal, a despeito de toda a impureza e evanescência dos princípios morais presentes em alguns indivíduos do povo. A vida das pessoas passara a ter novos atrativos e novas atividades, assim como novas maneiras de interpretar costumes antes indubitáveis, são demonstrados por meio das ações das personagens. Existe ainda uma descrição do Leste Europeu em aspectos sociais e geográficos que é invejável. Não por sua precisão, mas pelo filtro do Reino Unido colocado sob os olhos do autor e pelo que permanece na mente de quem nunca esteve em campo.

É, então, na sensível diferença da presença do pesquisador ou escritor in loco que Drácula encontra sua essencialidade para os estudos de Geografia e História do final do século XIX. Um leitor mais atento poderá ainda perceber detalhes mais sutis, como, por exemplo, como o Vampiro é um retrato do homem moderno preso às tradições antigas e como as outras personagens são a imagem de uma pressão que a tecnologia e que os tempos modernos impõem aos que ousam não querer acompanhar o “progresso”. Ainda é possível notar que Abraham Stoker mergulha mais fundo no enredo, colocando-se como seu alter-ego: Abraham Van Helsing, um homem “iluminado”, constante estudante e professor, conhecedor das muitas ciências e que esteve em campo.

Drácula é uma obra essencial para que se possa justificar a necessidade de estar no local a ser estudado, em contato com o objeto de estudo e permite uma análise crítica do período em que foi escrito pela visão do autor, traduzida nas opiniões e gestos de suas personagens. Um deleite para quem busca a fundo as características de um tempo ou para quem quer passar um bom momento de leitura.

Abraham Stoker nasceu em Dublin, na Irlanda, em oito de novembro de 1847, era matemático e escreveu diversas outras obras envoltas em horror e ainda sobre outros temas como O Castelo da Serpente, Os Sete Dedos da Morte e O Caixão da Mulher-Vampiro. Em 1922 ocorre o lançamento da primeira adaptação de sua obra para o cinema Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens – produção franco-alemã dirigida por F.W. Murnau e que teve que adaptar os nomes das personagens, lugares e datas por não ter conseguido autorização dos herdeiros do autor para produzir o filme. Abraham Stoker faleceu em 20 de abril de 1912 sem jamais ter ido à Transilvânia.


Referências Bibliográficas:

Bram Stoker’s Dracula, extraído da primeira edição e disponível em http://www.literature.org;

Drácula, STOKER, Bram, Tradução Sandra Guerreiro, 2ª edição, Ed. Madras, São Paulo – SP, 2009;

Drácula: O Vampiro da Noite, STOKER, Bram, Tradução Maria Luísa Lago Bittencourt, Texto Integral, 3ª edição, Ed. Martin Claret, São Paulo – SP, 2002.

História dos Vampiros: autópsia de um mito, LECOUTEUX, Claude, Edição Brasileira, Ed. UNESP, São Paulo – SP, 2003;

Vampiro: a Máscara, HAGEN, Mark Rein, 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1991;

Romance de clã: Ventrue, FLEMING, Gherbod, 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1999;

Romance de clã: Lasombra, DANSKY, Richard E., 1ª edição, Ed. White Wolf, São Paulo – SP, 1999.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Um rosto, um tempo e um nome

8 de janeiro de 2010,

03h45min AM

É fato que demorei um pouco a reconhecer que os maiores eventos de minha vida (curta até hoje) se relacionaram – e provavelmente por um longo tempo estarão relacionadas – a uma só pessoa. Espero, no entanto, que esta não seja uma condição perpétua, sinceramente. Porém, orgulho-me de poder conferir às minhas maiores importâncias um rosto, um tempo e um nome.

Meu momento mais feliz e o mais triste, o maior entusiasmo e o maior desânimo, a maior conquista e a maior perda, “o melhor e o pior de mim”. Tudo isto teve um rosto, um tempo e um nome.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre os Caçadores de Demônios

Caçadores de demônios sempre existiram. Em todos os povos, em todas as religiões eles eram e são presentes. Discretos, perpetuaram seu papel no “equilíbrio” da vida na Terra, combatendo fervorosamente as “forças do mal” sem que os olhares desatentos dos incautos viventes os denunciem. Contudo, todos os caçadores de demônios de que se tem notícia eram homens e – ainda que fossem homens diferentes, com conhecimento ou habilidade que nenhum outro homem pudesse jamais sonhar em possuir – poderiam ser enganados e dissuadidos a lutar por uma causa que não fosse a deles.

Muitas vezes, também, estas pessoas eram homens sem o saber e a capacidade para de fato serem caçadores de demônios: intitularam-se como tal e executaram extermínios contra povos e culturas inocentes.

Nas cruzadas, eles estavam presentes em ambos os lados. Não defendendo a terra ou tentando tomá-la. Eles não eram os templários, nem os fanáticos que marcharam da Europa à Terra Prometida. Tampouco eram os nobres cavaleiros ostentando turbantes que brandiam suas cimitarras em nome de Allah. Os caçadores estavam lá, carregando ambas as bandeiras, lutando em ambos os exércitos, mas quando os olhares desviavam-se a missão era uma só: procurar e destruir!

Foi assim por todas as eras e assim o é. Quando a noite cai e os olhos se fecham, há aqueles que permanecem acordados. Os caçadores perseguem e eliminam estes seres que se misturam com tanta facilidade ao gentio comum. Essa luta perpétua parece não ter fim – nem mesmo uma razão de ser –, mas eventos recentes mostram que algo grande está para ocorrer...

sábado, 23 de outubro de 2010

LACOSTE, Y.

A Geografia: isto serve em primeiro lugar para você não ler este livro.
_QUADROS, R.

Ciência do Tempo

Percebi nos meus últimos contatos sociais que estou ficando velho. Sim. As festas, reuniões e encontros são ótimos cronômetros para revelar sua idade. As amizades, não. Elas exigem de você algo a mais no olhar, uma atenção fatigante para revelar sua própria idade – afinal de contas, como perceberá que é o “tio” da turma apenas por observar seus amigos?

São os momentos de contato social que revelarão a idade de sua alma, o quão esgarçada sua anima está. E eu descobri que estou ficando velho.

Não daqueles velhos que jogam dama numa praça antes e depois do almoço, suando sob suas boinas e assando seus corpos dentro de suas calças escuras de linho. Sou um velho daqueles como são os tios e pais na melhor época do cargo que ocupam. Naquela época em que se reúnem aos domingos, com outros de alma tão desgastada quanto a deles, para beber e jogar futebol. Freqüentemente levam também os filhos que quase sempre tocam algum instrumento, mas que dividem uma quadra menor ou um campo de qualidade inferior, pelo menos enquanto os patriarcas estão ocupados com seu jogo de passes, gritos e corridas bem curtas.

Depois do jogo, todos se reúnem ao lado de uma churrasqueira para beber cerveja enquanto os filhos tocam pagode e um dos anciões pede um bolero. Mais duas ou três músicas de pagode moderno se seguem até que outros dois anciões – estes sem camisa e ainda suados por causa do jogo – erguem suas vozes roucas e clamam pelo bolero. A sorte é que o filho que toca cavaquinho sabe tocar dois ou três boleros que o rapaz empunhando o tamborim também sabe cantar. Todos cantam.

Alguns “velhinhos” se levantam e ensaiam passos de dança ainda com o copo na mão, sozinhos, pois, nestes encontros não há mulheres.

Sinto-me como um destes velhos. Só não tenho amigos da mesma idade, nem filhos e nem jogo futebol.

Não consigo mais ir a encontros sociais em que não tenha um lugar para me sentar. Odeio a produção musical de hoje, ainda mais quando preciso gritar para superar a intensidade dela na tentativa de estabelecer uma conversa. Luz estroboscópica me cega e pessoas esbarrando em mim atrapalham o gosto da minha cerveja. E eu nem gosto tanto de cerveja.

Deus! Além de velho sou ranzinza. Acho que vou pegar minha boina e vestir minhas calças de linho.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre a noite, um pouco

Não diria aos do meu convívio que já sei sobre a noite. Não me atreveria.
As noites são muitas, com várias faces. Todas serenas, é verdade, mas é num movimento de lábios, num franzir de cenho que se revelam as vontades das noites.
Quando escura em seu patamar crivado de estrelas, sopra um vento gélido no silêncio da Terra. Esse suspiro toma a alma dos homens e todos que tenham algo que germine em seu coração, até o mais bravo guerreiro, sucumbem.
Às vezes as sobrancelhas da noite se levantam e clamam por um motivo. Nessas horas uma flama se acende nos pulmões e, como velas cheias de ar, o espírito se levanta e vê flores na escuridão. As nuvens roxas – aos olhos de quem agora se aventura nas trevas – tornam-se jardins de doce perfume e o pensamento vai longe, à procura de algo que germine. [...] As certezas da noite fogem mais uma vez para as sombras e, de tudo que germinou, resta o vulto pálido e insistente que não vive, mas não se permite morrer.

Sobre a alvorada e as necessidades

-- Belo amanhecer, não?
-- Sim. De fato. Muito belo.
-- São belas as cores nesta hora, não? Poderosas.
-- Há muito de poderoso na alvorada.
-- ...
-- São as nuvens, o vento, todos os cheiros, as cores e o próprio sol.
-- Entendo. Tudo depende de muito, não é?
-- Na verdade, prefiro dizer que o muito depende de pouco.
-- Como assim?
-- Olhe de novo, contemple todo o poder da alvorada.
-- Sim ...
-- Agora escolha uma cor e retire-a.
-- Sei.
-- O fez?
-- Insosso.
-- Viu só, tudo depende de pouco. Todo aquele poder se foi por falta de um elemento.
-- Agora entendo melhor.
-- Entende o que?
-- Entendo porque preciso tanto de você. Você é minha cor, minha nuvem, meu vento, meus cheiros e eu sou apenas alvorada.